Por que "clepsidro-me"?!?!

Leia a primeira postagem e descubra!!! (clique aqui)







terça-feira, 30 de março de 2010

Sentimentos

sentimentos sinuosos
como corpo de mulher
como taça de vinho
como o caminho da pinga no alambique

sentimentos que entorpecem
como corpo de mulher
como taças de vinho
como pinga de alambique

sentimentos aos quais me rendo
como me rendo
ao meu corpo de mulher
às taças tintas de vinho
à pureza da cachaça
a você

sexta-feira, 26 de março de 2010

Clarice


Aos poucos as mulheres vão aparecendo por aqui. A Clarice Lispector é uma autora que não canso de ler, porque me traz sempre surpresas, mesmo depois da milésima leitura.
Seus contos são desconcertantes, muitos deles me marcaram profundamente. Os romances são também desconcertantes, embora mais difíceis e igualmente intrigantes.

Algumas vezes, no meio da leitura de um de seus textos, deparo com uma frase que retrata muito bem o ser humano - suas angústias, seus medos, seus desejos, suas contradições.

A Clarice pra mim, mesmo depois de muito explorada, será sempre um mistério!!

Aliás, o mistério da foto ao lado é o que me seduz. Acho que ela tem um olhar agudo, misterioso e perturbador - igualzinho a seus textos!

Esta manhã, em meio ao tumulto do trabalho, caiu-me nas mãos uma citação da Clarice , com a qual concordo plenamente e até explica um pouco esse blog.

Ei-la:

"Escrever é uma maldição, mas uma maldição que salva. Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive. Escrever é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. É também abençoar uma vida"

terça-feira, 23 de março de 2010

Vazio




O vazio transborda em mim.
O vazio completamente pleno de sua ausência
me faz distender, até quase explodir.
Por que me deixo preencher por ele
se, assim, me esvaio?
Cada vez mais, o vazio preenche.
Cada vez mais, se impõe.
Vou esvaindo-me nele, com desvelo,
num desvario,
num desalinho,
num desatino
que desatina em doer!!

Silêncio

Há silêncio no meu coração.

Não o silêncio
da calmaria da aurora

Não o silêncio
do instante seguinte a uma boa surpresa

Não o silêncio
do sono tranquilo

Não o silêncio
resultado do gozo pleno

Não o silêncio
do deslumbramento

Não o silêncio
do mar sem ondas

Mas o silêncio
da tristeza
da decepção
da dúvida
da melancolia
da perda


O silêncio grita o que eu não quero ouvir

Nevoeiro

Depois de dias ensolarados,
um nevoeiro
caiu sob meus sentimentos
e com ele as perguntas:
onde estou?
fazendo o quê?

Na verdade, o nevoeiro já
estava nas previsões meterológicas.
Nevoeiros, chuviscos,
trovoadas e tempestades,
assim como o sol,
têm seus dias.

O problema é que eu
não gosto deles.
Por isso tendo a ir
pra longe, como ave migratória.

Há terras mais sujeitas
à instabilidade,
às mudanças climáticas.
Outras mais estáveis,
onde o sol brilha com mais constância.

Não me arrependo dos caminhos que escolhi.
Mas também não sei se sou adaptável
a variações tão bruscas, mesmo que anunciadas

Parece que meu El Niño particular chegou

segunda-feira, 22 de março de 2010

Estricnina


Semana passada fui a um show no Memorial da América Latina, que por sinal está fazendo 21 anos. Fui assim, meio que no susto, sem saber muito bem do que se tratava, sabia apenas que era um show do Toquinho e, portanto, não poderia ser ruim.
Mas na verdade era mais que isso: era um show em homenagem ao centenário de nascimento do Adorinan Barbosa.
Eu, talvez por influência de meu pai, sempre achei o Adoniram o máximo!! De uma simplicidade ímpar e de um bom humor inusitado. Adoro o jeito como ele brinca com língua portuguesa.
Talvez o Adoniram seja o único capaz de inserir a quase impronunciável "estricnina" numa música, aliás uma das minhas preferidas, pela sua leveza! Genial!!
Outra surpresa do show foi a participação do Carlinhos Vergueiro, aparição rara, que dá um tempero especial ao caldeirão musical.
Toquinho e Carlinhos foram recheando o caldeirão com músicas ora suaves, ora divertidas, ora comoventes.
Eu, particularmente, me diverti e fiquei comovida com a "Torresmo à milanesa" (tem um pedacinho dela logo abaixo, pra quem não se lembra).
Me diverti pela história que o Carlinhos contou: quando ele e o Adoniran estavam compondo essa música, o Adoniran disse pra trocar o "bife à milanesa", por "torresmo à milanesa". Quando o jovem músico perguntou o por quê da mudança, ouviu: "Por que fica mais triste!" E fica mesmo! Comovente!


Um pouquinho de Adoniram:

O enxadão da obra
bateu onze horas

Vamo se embora, João
Vamo se embora, João
Que é que você troxe
Na marmita, Dito?
Truxe ovo frito
Truxe ovo frito
E você, Beleza,
o que é que você troxe?
Arroz com feijão
E um torresmo à milanesa
Da minha Tereza

(de Torresmo à milanesa)


Tiro ao Álvaro

De tanto levar
Frechada do teu olhar
Meu peito até
Parece sabe o quê?
Táuba de tiro ao Álvaro
Não tem mais onde furar...

Teu olhar mata mais
Que bala de carabina
Que veneno estricnina
Que peixeira de baiano...

Teu olhar mata mais
Que atropelamento
De automóvel
Mata mais
Que bala de revólver...

segunda-feira, 15 de março de 2010

Por que o céu é azul?


O céu é azul porque espelha o mundo...

azul delicado da saudade
azul escuro do ódio
azul marinho da brisa
azul triste da decepção
azul turquesa da fé
azul claro da sinceridade
azul petróleo da ganância
azul calcinha do desejo
azul celeste dos sonhos
azul desbotado dos amores desfeitos
azul cinza da dúvida
azul intenso da felicidade
azul suado do trabalho
azul imprescindível da amizade

azul azul azul

azul inebriante da vida!

Vai, Djavan, corre e diz pro meu benzinho
que o amor é azulzinho...

quinta-feira, 11 de março de 2010


Esses dias andei pensando muito sobre como duas pessoas podem ter opiniões tão diferentes sobre uma mesma coisa. Aí fiquei pensando se havia "a" opinião "certa" e "a" opinião "errada".
Guardando as devidas proporções, não acredito que existe "o" certo e "o" errado. Tudo depende da história de vida, dos conceitos, das necessidades, dos desejos das pessoas.
As pessoas, por natureza, são diferentes. Portanto, é natural que pensem e sintam de forma diferente. O diferente não é melhor nem pior - é apenas diferente. O dificil é aceitar isso, sem valorar ou julgar.
Sabe, só posso ver com os meus olhos e com minha miopia.
Isso me lembra dois textos, um do Rubem Alves e outro do Drummond, ambos transcritos abaixo.


"O que é necessário compreender é que ninguém tem a verdade. Nós só damos palpites. No momento em que os indivíduos compreenderem que suas verdades não passam de palpites eles ficam mais tolerantes. E é gostoso conversar mansamente, cada um ouvindo honestamente o que os outros tem a dizer". (do texto "Nossas verdades são só palpites", do Rubem Alves. Acessível em www.rubemalves.com.br)


A verdade dividida

A porta da verdade estava aberta
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só conseguia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia os seus fogos.
Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era perfeitamente bela.
E era preciso optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

(Carlos Drummond de Andrade, In Contos Plausíveis, José Olympio, 1985)

quarta-feira, 10 de março de 2010

Fragmentos



o dia querendo nascer
olhos fechados para ver os seus
reminiscências da sua mão delicada

pequenas mundanças:
no rádio, música e não notícias
mais atenção às belezas ao redor

um pouco de sono
o dia nascendo exuberante

um pouco de ressaca no coração
pensamentos conflitantes
medo
desejo
euforia

contudo

eta, coração bobo!!

Dúvida Azul


No meio da noite me assalta
uma dúvida azul.

Ela já havia sido anunciada
é um assalto esperado.

Como, ingenuamentente, fui me deixando envolver?
Talvez fosse o desejo, saindo de seu esconderijo
Há muito ele estava guardado,
junto com o encantamento das emoções adolescentes.

Será que jogo esse jogo?
(Ao contrário do que pensas, não é fácil ficar na torcida)

Será que topo essa brincadeira séria?
Não sei.

O azul ainda é agitação.
A calmaria ainda não chegou.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia Internacional da Mulher


Hoje me dei conta de que não há nenhuma poesia feita por uma mulher neste blog (as minhas não contam, pois não posso compará-las às dos escritores e escritoras que admiro).
Resolvi corrigir esse "escorregão" e não haveria data mais apropriada que essa.
Devo confessar que os poetas me tocam mais que as poetisas (alguns não aceitam essa palavra, mas eu gosto, lembra sacerdotisa).
Mas se há uma mulher que me comove com seus textos, é a Adélia Prado.
Linda, linda, linda! E divertida! Tocante, sempre!!
Me bateu um desejo incontrolável por Adélia, igual àqueles por chocolate!!! (quem me conhece sabe quão avassalador é meu vício por chocolate!)
Para aplacar o desejo e em homenagem às mulheres, aí vai o verso final do poema Com licença poética
"Mulher é desdobrável. Eu sou"

Silencio


Foi me imposto o silêncio
como condição pra continuar a viver.

Por que minhas palavras ofendem tanto?
Será que porque nelas há alguma verdade,
que você não quer ver?

Por que tanta raiva?
Acho que o fato de minha vida ser diferente da sua
lhe é quase insuportável.

Por que acha que o canto é pra irritar?
Talvez porque não veja mais motivos pra celebrar a vida...
(Mas antes, você sempre via um motivo pra comemorar, sorrir, festejar... Aprendemos isso com você! O que mudou?!?!)

Me sinto uma intrusa, invasora, estrangeira.
Essa pátria não é minha.

Não quero uma pátria cinza,
onde há sempre o risco de um ataque aéreo.
Uma pátria em que a amargura é a rainha e o ressentimento, o rei.

Quero o contrário disso, a alegria das cores, a felicidade de estar vivo, o perdão a si e aos outros, a conversa constante e o respeito pelo diferente.

Hoje me calo.
Mas a "boca fala do que o coração está cheio".

Meu coração não é um deserto,
sei que o silêncio não é para sempre.

Meu coração é Mata Atlântica.
Hoje é dia de tempestade. A vida se recolhe.
Mas, amanhã, com sol, a vida se renova.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Bandeira


Um dos meus poetas preferidos é o Manuel Bandeira.
Contra solidão, tristeza e qualquer doideira, vou de Manuel Bandeira.
Pra comemorar a alegria, também levanto essa Bandeira!

Quando cheguei no trabalho hoje cedo, vieram me devolver um livro dele.
Claro que não resisti e reli alguns poemas.

Aí vai uma amostra, desse poeta do cotidiano:

"Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu tomo alegria!" (do poema Não sei dançar)

"Não quero mais saber do lirismo que não é libertação." (do poema Poética)

Irene no céu

Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro Bonachão:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.

Poema só para Jaime Ovalle

Quando hoje eu acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando
- Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.

Quero

Não aprendi a lição da Cecília:
ou isto ou aquilo

Quero o anel e a luva;
o doce e o dinheiro

Quero tudo! Quero já!

Quero o tempo todo,
não quando o tempo dá!

Quero inteiro
Quero mais que inteiro - quero um e meio!

Quero, como nunca...
Quero intensamente,
sem pudor ou prudência!

Quero com ardor e pavor

Quero com o tato, a visão, o olfato
Quero com gosto, quero com barulho

Quero porque quero!
(Mas não é capricho - é paixão!)



Beijos com sabor de Sagatiba.
Assim como a bebida, o desejo esquenta os corpos,
antes distantes, agora próximos.

Aos poucos, eles vão perdendo a consciência do que os rodeia...
As coisas, por um momento, parecem não ter importância.
O importante é o instante cristalizado e o desejo transbordante...

- O que você está fazendo aqui?
- Eu? Estou vivendo...
E você? Sabe o que está fazendo?

(Será que eu sei?!?!)

terça-feira, 2 de março de 2010

Rosa


Guimarães Rosa é um ecritor pra ler aos poucos, se deliciando a cada página com sua saborosa linguagem.

Ler Rosa é como experimentar um prato exótico: primeiro vem o estranhamento, o susto; depois gostamos, apreciamos a mistura das especiarias.

Reli, esses dias, umas frases dele e depois do (re)susto, me encantei, de novo:

"Digo direi de verdade: eu estava bêbado de meu."

"O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais."


PS: As frases, inclusive a da foto, estão no Grande Sertão: Veredas
PS': A foto foi tirada por mim, na exposição do Rosa, no Museu da Língua Portuguesa

Mindlin


No domingo passado morreu, aos 95 anos, o maior bibliófilo do Brasil - José Mindlin.
Desde os 13 anos ele colecionava livros. Em 2006, doou cerca de 45 mil livros pra USP, pois acreditava que mais gente deveria ter acesso a eles.
Uma vez ouvi, numa entrevista, ele dizendo que a "picada" do vírus da leitura era incurável.
Mas, na minha opinião, a mais tocante frase dele é: "Num mundo em que o livro deixasse de existir, eu não gostaria de viver."
Como homenagem, transcrevo o que Dora Kramer publicou, sobre ele, na sua coluna de hoje do Estadão: "Não é sempre, mas de vez em quando soa injusto quando a natureza apilca a regra geral da inexorabilidade da partida".