Por que "clepsidro-me"?!?!

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quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Milagrário Pessoal


Ontem acabei de ler o tão esperado Milagrário Pessoal, do Agualusa.

Hoje tive vontade de começar a releitura; só não o fiz porque preciso entregar o livro à minha irmã, pra que ela faça a dedicatória no presente.

Mas assim que o receber de volta, vou reler!! Nem preciso dizer que adorei!!

Vou transcrever uma pequena parte do livro, na verdade sua epígrafe, que é fundamental à história.

Não escolhi essa parte por ser a que mais gostei. Se esse fosse o critério, creio que pelo menos 70% do livro teria que ser transcrito!
Escolhi esse trecho porque adorei a ideia de que herdamos nossa língua dos pássaros!! Me parece tão subversivo e absolutamente poético, afinal o canto das aves é belíssimo e sempre nos encanta!! E essa ideia me encantou!!

Não entendeu? Então, leia a epígrafe do Agualusa e, se possível, o livro também:


"No princípio os homens não falavam. Nenhum animal falava, exceto os pássaros. Havia um saco com palavras que estava à guarda da Andua*. Foi então que apareceu um rapaz com um único braço, uma única perna e só metade da cabeça. O rapaz roubou o saco das palavras, abriu o saco e meteu as palavras à boca. Na manhã seguinte, quando despertou, era uma pessoa inteira, mas metade rapaz e metade rapariga. Além disso falava, e sua língua era ágil e harmoniosa como a dos pássaros." (De um conto tradicional ovimbundo**, em Seleção de contos, provérbios e adivinhas em umbundo***, de Jeremias Capitango)


* andua - ave azul, semelhante ao papagaio

** ovimbundo - povo que vive ao sul de Cuanza, sobretudo no planalto de Benguela, em Angola.

*** umbundo - língua falada pelos ovimbundos

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Turbinada


Segunda-feira passada, minha irmã me apresentou a um novo CD do Zeca Baleiro - Trilhas: música para cinema e dança.

Acho o Zeca genial, simpático, super bem humorado e de uma sensibilidade incontestável. Sempre presto atenção às letras dele. Já tinha ouvido umas músicas desse CD no rádio, mas me diverti muitíssimo com uma que ouvi naquele dia. Ei-la:


Turbinada

Ela fez dezessete pequenos reparos
No lóbulo da orelha
Extraiu as rugas pés-de-galinha
Que a deixavam mais velha
Ela botou botox sorriso inox
Que eu paguei em doze suaves prestações
250 ml de silicone em cada peito
Ficaram no jeito dois belos melões

Tirou um par de indesejáveis costelas
Ficou com a cintura fina cinturinha de pilão
Malha como louca não marca touca
Ela tá sarada turbinada processada envenenada
Um mulherão

Ela ficou uma máquina
Ela ficou uma máquina
Mas tudo que eu queria tudo que eu queria
Tudo que eu queria mesmo era uma mulher

Ela fez lipo agora faz tipo
Desfila com suas nádegas durinhas no calçadão
Ela fez peeling e só tem feeling
Pras coisas que podem deixá-la mais bela magrela
Cinderela sem paixão



Frutinha vermelha


Quando eu tinha uns 3 ou 4 anos, falei pra minha mãe que eu estava com vontade de comer uma frutinha vermelha (eu até hoje sou cheia das vontades de comer isso ou aquilo!).

Mamãe, zelosa como sempre, pediu mais informações pra saber que frutinha era aquela.

- Ah, mamãe, é um frutinha pequena assim ó, vermelhinha...

Como isso não dizia muito, ela foi por tentativa e erro. Trouxe primeiro morango, a mais óbvia, mas não era.

Depois vieram: ameixa, framboesa, amora, cereja, até uva e figo, que nem são assim tão vermelhas.

Eu me esbaldava com todas, mas continuava com a vontade da tal frutinha vermelha.

Mamãe sempre pedia ao feirante, nosso amigo: se você encontrar uma fruta vermelha e pequena, traga pra mim, por favor.

Sei que meses se passaram em busca da fruta perdida, mas tudo em vão.

Até que todos esqueram da história. Todos, menos eu! Meus desejos são teimosos, não vão embora enquanto não são saciados.

Num belo dia, estava a pé, indo não sei onde com minha mãe, quando falei:

- Olha lá a frutinha vermelha!!

Minha mãe não entendeu nada, devia estar preocupada com os afazeres do dia:

- O quê??

- É aquela frutinha que eu quero! - disse, apontando para um pé de romã.
- Mas ela não é vermelha!! Você disse que era vermelhinha!!
- É vermelha, sim, mãe!! Por dentro é bem vermelhinha!!!

Minha mãe, resignada, tocou a campainha da casa e meio constrangida pediu uma romã, que eu comi como se tivesse vindo direto do Olimpo!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010



madrugada
a rede balança
e no seu embalo, meu desejo

dança harmoniosa
de corpos cadenciados

a luz da lua,
única testemunha
da doce e incessante agitação

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Leminski, again and forever

Esses dias estava relendo o Leminski.
Eis os meus preferidos daquele dia (pois isso muda conforme meu humor):

dia
dai-me a sabedoria de caetano
nunca ler jornais
a loucura de gláuber
tem sempre uma cabeça cortada a mais
a fúria de décio
nunca fazer versinhos normais

(eu pediria também a criatividade de leminski...)

¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬


coração
PRA CIMA
escrito embaixo
FRÁGIL


¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬


a noite
me pinga uma estrela no olho
e passa


¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬


não discuto
com o destino

o que pintar
eu assino

¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬


acordei bemol
tudo estava sustenido

sol fazia
só não fazia sentido


¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬

a estrela cadente
me caiu ainda quente
na palma da mão


¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬


Transar bem todas as ondas
a Papai do Céu pertence,
fazer luas redondas
ou me nascer paranaense.
A nós, gente, só foi dada
essa maldita capacidade,
transformar amor em nada.


¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬


o amor, esse sufoco,
agora há pouco era muito,
agora, apenas um sopro

ah, troço louco,
corações trocando rosas,
e socos

Mario Vargas Llhosa

Ao receber o Prêmio Nobel, há uns 10 dias, o escritor Mario Vargas Lhosa fez um belíssimo discurso. Dois trechos em particular me emocionaram:

[...]
"Pude dedicar boa parte do meu tempo a essa paixão, vício e maravilha, que é escrever, criar uma vida paralela onde nos refugiamos contra a adversidade, que torna natural o extraordinário e o extraordinário natural, que dissipa o caos, embeleza o feio, eterniza o instante e torna a morte um espetáculo passageiro"
[...]
"A exemplo de escrever, ler é protestar contra a insuficiência da vida. Quem procura na ficção o que não tem, diz, sem necessidade de dizer, e nem de saber, que a vida tal como é não nos basta"
[...]

Sempre achei que uma vida só não basta pra fazer tudo que eu quero! Talvez por isso leia compulsivamente: uma tentativa de viver compulsivamente!!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Shirley Valentine

Essa semana assiste a dois filmes, um deles foi Shirley Valentine.
Adorei a versão cinematográfica da peça de Willy Russell, dirigida por Lewis Gilbert e protagonizada por Pauline Collins.
O filme não é novo, é de 1989, mas proporciona uma visão bem atual do ser humano e das relações familiares.
Eis algumas falas:

"Por que ter toda uma vida, se não fazemos proveito dela? Por que todos esses sentimentos e sonhos e esperanças, se nunca os usamos?"

"Sonhos. Eles nunca estão onde você espera encontrá-los"

"Eu não me apaixonei por ele. Me apaixonei pela ideia de viver"

A paixão pela vida tem que ser constantemente renovada, senão corre o risco de morrer, como nos lembra Shirley Valentine.

Estou quase terminando o segundo livro da coleção "Histórias de Canções", sobre o Toquinho (o primeiro foi sobre o Chico).

Nem precisa lembrar que ele tem músicas belíssimas. É muito interessante saber como essas canções foram compostas, quais as histórias dos bastidores.

Você sabia, por exemplo, que a letra da famosa "Aquarela" foi composta originalmente em italiano por Guido Morra e depois "traduzida" para o português por Toquinho? Nem eu!!!

Entre muitas outras perólas, o livro traz uma parceria do Toquinho com o Vinícius que achei particularmente bonita, e, ao que me parece, um pouco desconhecida.

Nela os papéis usuais são invertidos: o Vinícius fez a música e não houve tempo de fazer a letra. Toquinho, então, ficou com a tarefa e deu uma de poeta.

Ei-la:


Deixa acontecer


Ah, não tente explicar

Nem se desculpar

Nem tente esconder.

Se vem do coração,

Não tem jeito, não,

Deixa acontecer.

O amor é essa força incontida,

Desarruma a cama e a vida,

Nos fere, maltrata e seduz.

É feito estrela cadente

Que risca o caminho da gente,

Nos enche de graça e de luz.

Vai debochar da dor

Sem nenhum pudor

Nem medo qualquer.

Ah, sendo amor,

Seja como for

E o que Deus quiser.

negros cachos
negros olhos
negro toque

quero me perder na doce escuridão