Por que "clepsidro-me"?!?!

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terça-feira, 30 de abril de 2013

Solidão



Solidão é o vagão
do Metrô completamente vazio
no infinito percurso
de 6 estações.

O silêncio se arrasta,
ao som das escadas rolantes.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Histórias

"Bem, talvez a gente seja feliz demais."
"É, pois é, já faz um tempo que eu andava querendo conversar sobre isso com você. Seria muito melhor se você pudesse me fazer um pouco mais infeliz."
"Pare com isso. Estou falando de história. Como nos conto de fadas: 'E eles viveram felizes para sempre' é sempre a última frase."
"Me faz uma gentileza: seja um pouco mais clara."
Ah, você sabia exatamente o que eu queria dizer. Não é que a felicidade fosse insípida  É que ela não dava uma boa narrativa. E uma das nossas melhores e maiores distrações, com a velhice, é recitar, não só para os outros, como também para nós mesmos, nossa própria história. Eu sou mestre nisso: fujo da minha história todo dia e ela me persegue como um vira-latas abandonado. Por isso mesmo, um aspecto meu que mudou da juventude para cá é que agora considero as pessoas com pouca ou nenhuma história para contar como tremendamente afortunadas."

Lionel Shriver, In: Precisamos falar sobre o Kevin

Línguas que não sabemos que sabíamos

Num conto que nunca cheguei a publicar acontece o seguinte: uma mulher, em fase terminal de doença, pede ao marido que lhe conte uma história para apaziguar as insuportáveis dores. Mal ele inicia a narração, ela o faz parar:
_ Não, assim não. Eu quero que me fale numa língua desconhecida.
- Desconhecida? - pergunta ele.
- Uma língua que não exista. Que eu preciso tanto de não compreender nada!
O marido se interroga: como se pode saber falar uma língua que não existe? Começa por balbuciar umas palavras estranhas e sente-se ridículo como se a si mesmo desse provas da incapacidade de ser humano. Aos poucos, porém, vai ganhando mais à vontade nesse idioma sem regra. E ele já não sabe se fala, se canta, se reza. Quando se detém, repara que a mulher está adormecida, e mora em seu rosto o mais tranquilo sorriso  Mais tarde, ela lhe confessa: aqueles murmúrios lhe trouxeram lembranças de antes de ter memória. E lhe deram o conforto desse mesmo sono que nos liga ao que havia antes de estarmos vivos.
Na nossa infância, todos nós experimentamos este primeiro idioma, o idioma do caos, todos nós usufruímos do momento divino em que nossa vida podia ser todas as vidas e o mundo ainda esperava por um destino  James Joyce chamava de "caosmologia" a esta relação com o mundo informe e caótico. Essa relação, meus amigos, é aquilo que faz mover a escrita, qualquer que seja o continente, qualquer que seja a nação, a língua ou o gênero literário.

Mia Conto, no texto Línguas que não sabemos que sabíamos, do livro E se Obama fosse africano.

domingo, 28 de abril de 2013


Black & White

Libertos de todas as amarras,
misturam
as flores,
as cores, e
das cores
saboreiam o prazer.

Amantes da loucura,
que guarda seus eternos segredos
Vida que aflora das minas
Minas de prazer e desassossego.

(julho/2005)

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Resposta a Joaquim


O amor comeu tudo
Ou quase tudo
O amor não tragou meu desejo,
Que ousado o desafia:
Decifra-me 
Ou devoro-te


PS: No caso, o Joaquim é João. Para entender, veja o poema "os três mal-amados", de João Cabral de Melo Neto

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Ítaca


Hoje eu li alguns poemas do Alexandrino Konstantinos Kávafis e um deles - Ítaca -  me chamou especial atenção, talvez porque ainda não aprendi a lição que ele encerra. Ei-lo:

Se partires um dia rumo à Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo, repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrarás
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma, se tua alma não os puser diante de ti.


Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria, tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.


Tem todo o tempo Ítaca na mente
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim
rico de quanto ganhaste no caminho
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mias do que isso não cumpre dar-te.


Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência
e agora sabes o que significam Ítacas.

(Poemas, tradução de José Paulo Paes, Ed Nova Fronteira, 1982)