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sexta-feira, 18 de junho de 2010

Receita de Mulher

Prometi postar esse poema do Vinícius de Moraes. Promessa feita; promessa cumprida.
A maioria das pessoas conhece apenas o início do texto, talvez por ser longo. Mas vale a pena lê-lo inteiro.
Eu desconfio que há um tom um pouco irônico nessa poema. Ou esse papo de 5 velas e queimaduras de 1º grau é sério?!?!!? rsrsrs
Quem sabe por isso é um dos meus prediletos...
Os versos finais são meus preferidos, quando ele fala do embriagante mel, do canto inaudível, da dançarina do efêmero e da incalculável imperfeição.
Esse belo poema é como a beleza: límpido e misterioso.
Vamos a ele:



"As muito feias que me pedoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa)
Não há meio termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que reflita e desobroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que tudo seja belo e inesperado. É preciso que uma das pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Eluard e que acarecie nuns braços
Alguma coisa além de carne: que se os toque
Como ao âmbar de uma tarde. Ah, deixai dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) e também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é, porém, o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de 5 velas.
Sobremodo pertinez é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário.
É acoselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível um mínimo de produtos farmacêuticos!
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as cavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37º centígrados podendo eventualmente provocar queimaduras
Do 1º grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro da paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que, se fechar os olhos
Ao abrí-los ela não mais estará presente
Com seus sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo Que ela nunca perca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder a graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre o embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda criação inumerável.

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